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Contributo da formação em Enologia para o setor vitivinícola

Contributo da formação em Enologia para o setor vitivinícola

Artigo de opinião de Carlos Ribeiro, experto da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro sobre o setor do vinho

O vinho é um produto natural presente na atividade económica, social, cultural e religosa, desde há milhares de anos.

A evolução do conhecimento científico, desde a descoberta das leveduras como agente de fermentação alcoólica até à identificação e quantificação de compostos voláteis, bem como a crescente perceção da influência do terroir na definição dos mais ínfimos pormenores ou notas de um vinho, fazem crescer a importância da aliança entre saber fazer, tecnologia aplicada e justificação científica.

Solos e clima; porta-enxertos e castas; práticas seculares ajustadas a novos meios tecnológicos; colheita, acondicionamento e transporte de uvas em boas condições; vinificações controladas; excelência na qualidade do produto final; e a satisfação de mercados com exigências diversas, são elementos sempre presentes na génese, transformação e continuidade de um projeto vitivinícola.

Mas sem a ação do Homem, seria impossível aproveitar o potencial da mesma casta em diferentes regiões vitícolas ou de diferentes castas numa única região para produzir um vinho único, diferenciador, algo muito presente nos territórios do norte de Portugal e na Galiza.

Saber aproveitar as potencialidades de produção de vinhos com caraterísticas muito diversas e, portanto, com preferências de consumo e aptidão para diferentes mercados, deve estar alicerçada em conhecimento técnico-científico que permita produzir uvas com caraterísticas qualitativas que maximizem o rendimento (quantitativo e qualitativo), otimizar os processos de vinificação e gerir existências, comercialização e mercados.

Deste modo, a formação superior em Enologia e a sua complementaridade com o Mestrado em Enologia e Viticultura é uma ferramenta de atualização, aperfeiçoamento, inovação e especialização técnica e científica imprescindíveis em atividade económica em crescendo nas últimas décadas e com potencial para afirmação nos mercados nacionais de Portugal e Espanha, e ainda para crescer e marcar posições de destaque no mercado interno da União Europeia e na maioria de mercados emergentes a nível mundial.

A qualificação dos recursos humanos em Enologia é um fator indissociável do aumento de notoriedade dos vinhos aquém e além fronteiras. A formação qualificada em Enologia é fator preponderante para melhor vender o produto vinho, mas também para o associar à cultura, à história, ao património, à gastronomia e ao turismo.

O vinho é um produto que integra uma vertente económica, mas também social, e a formação superior em Enologia deve contribuir para desfazer mitos e teorias sobre benefícios e malefícios do vinho na alimentação e saúde humanas. Licenciado, mestre ou doutor em Enologia deve contribuir para que o consumo com moderação seja uma prática associada à dieta e retire a conotação negativa que profissionais de diferentes áreas atribuem ao vinho quando generalizam os malefícios do consumo de bebidas alcoólicas.

Porém, o enólogo não pode ser visto apenas como um técnico ou um profissional que elabora um vinho. A evolução galopante das tecnologias (de produção e de informação) e a globalização requerem que a formação em Enologia responda à crescente exigência de conhecimento em áreas de gestão, marketing e comercialização. Por isso, a formação em sede de primeiro e segundo ciclos em Enologia devem ver a componente de mercados, vendas, gestão, finanças, empreendedorismo, liderança e oportunidades de negócio reforçada, para fazer face a um mercado mais diversificado, exigente e com consumidores e clientes com graus de satisfação e exigência mais requintados e à procura de pacotes completos de oferta (incluindo turismo, gastronomia e produtos locais/regionais).

Deste modo, a formação académica deve tornar-se um desafio para os estudantes e futuros profissionais, em que, para além das ferramentas comuns de ensino e aprendizagem, sejam preparados para pensar, duvidar, ser confrontados com novos problemas, e criar espírito crítico e de resolução de situações inéditas, uma vez que a velocidade de aparecimento de novas tecnologias e diferentes problemas ou distúrbios requerem capacidade de intervenção imediata e objetiva porque constituem, frequentemente e cada vez mais, situações de novo, quiçá não antes experimentadas, testadas ou até equacionadas. Assim, um profissional de Enologia bem formado não apresenta um repositório de soluções estudadas e pré-estabelecidas, mas está em permanente adaptação e evolução, ajustando-se aos desafios societais e à evolução científica e tecnológica permanente, respondendo também à procura que o mercado faz de inovação e de novos produtos. A formação avançada permitirá a melhor adaptação à mudança brusca de hábitos e de preferências de consumo, tornando as empresas mais aptas à resposta acertada e acertiva perante a concorrência direta e indireta, os custos de produção, as margens de lucro e as exigências em relação a sistemas de produção, limites máximos de resíduos, teor alcoólico e informação de composição (nomeadamente aditivos enológicos para prolongar a longevidade e tempo de prateleira).

O domínio de tecnologias já conhecidas (de extração do mosto a baixas temperaturas, controlo da temperatura e da extensão da fermentação alcoólica, procedimentos de estabilização) tem permitido obter vinhos com caraterísticas distintas das de vinhos de há 30 a 40 anos atrás. Isto significa que, mais do que a quantidade, a qualidade dos enólogos que entraram no mercado de trabalho nas últimas três décadas revolucionaram a “indústria” vitivinícola e estas e as novas gerações de enólogos estarão à altura de novos desafios e aptos a aumentar a qualidade e diversidade de vinhos e produtos à base de vinho.

A diversidade de vinhos, ainda que limitada pela quantidade, é uma mais-valia para produtos únicos, cujas caraterísticas dependem de fatores específicos, particulares, de vinhas velhas, de uma multiplicidade de castas, de vinhos manocasta, do património genético autóctone, da presença de castas minoritárias, de saber aproveitar o potencial específico de cada casta e de cada região vitivinícola do Eixo Atlântico.

Simultaneamente, estes profissionais serão capazes de procurar novos mercados e encontrar atividades complementares de negócio para dinamizar o tecido empresarial local, regional, nacional, transfronteiriço e dinamizar, projetar e comercializar maior volume e valor de transação de vinhos no espaço da Euro-Região.

Mais e melhor formação será sinónimo de mais e melhor capacidade de adaptação à mudança, à inovação e à adaptação a situações desafiantes e inesperadas. Mais e melhor formação conduzirá a melhores vinhos, maior reconhecimento internacional e maior valorização de vinhos com caraterísticas tão próprias e distintas de vinhos “massificados” a partir de castas internacionais.

A formação de qualidade permite aos graduados e pós-graduados em Enologia encarar o futuro com ferramentas para competir e criar valor no mercado global, em estreita articulação com o tecido empresarial e no sentido de incrementar a capacidade de resposta em tempo real aos problemas e solicitações das empresas do setor.

Um profissional de Enologia é, e tem que ser cada vez mais, alguém que vai muito para além de quem produz e engarrafa um vinho.

 

Carlos Ribeiro é:

Diretor do Curso de Enologia (1º Ciclo)

Diretor do Curso de Enologia e Viticultura (2º Ciclo)

Departamento de Agronomia – Escola de Ciências Agrárias e Veterinárias

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Vila Real